QUEM SUSTENTA A CIRCULARIDADE? A INVISIBILIZAÇÃO DO TRABALHO DOS CATADORES NA CADEIA DO PLÁSTICO
DOI:
https://doi.org/10.56238/arev7n11-036Palavras-chave:
Catadores, Economia Circular, Cadeia do Plástico, Trabalho Invisível, Justiça Socioambiental, Resíduos PlásticosResumo
A crescente crise ambiental associada aos resíduos plásticos evidencia os limites do modelo linear de produção e consumo, baseado na extração intensiva de recursos e no descarte contínuo. Nesse cenário, a reciclagem tem sido apresentada como solução estratégica para a mitigação de impactos e para a transição rumo à economia circular. Entretanto, a realidade brasileira revela uma profunda distância entre a circularidade prevista em discursos corporativos e políticas públicas e aquela sustentada, na prática, pelo trabalho precarizado das catadoras e catadores de materiais recicláveis. Tomando como referenciais a Economia Ecológica e a Justiça Ambiental, este artigo analisa as contradições estruturais da cadeia do plástico em Belo Horizonte, com foco na invisibilização laboral que sustenta o retorno dos materiais ao ciclo produtivo. A metodologia combinou revisão bibliográfica e pesquisa de campo, com observação sistemática das operações de triagem em cooperativas de catadores de materiais recicláveis, e caracterização da fração rejeito, totalizando 4.422 itens classificados. Os resultados demonstram que a reciclabilidade anunciada pelo setor produtivo não se converte integralmente em reciclabilidade real: embalagens de baixa qualidade, heterogeneidade de polímeros, contaminações e limitações logísticas ampliam o volume de materiais sem valor econômico, transferindo custos operacionais e riscos ambientais para o elo mais vulnerável da cadeia. Tais evidências confirmam que, embora ambientalmente necessária, a reciclagem opera hoje com baixa eficiência sistêmica e com violação de princípios de justiça socioambiental, ao reproduzir desigualdades históricas e aprofundar a exploração daqueles que sustentam a circularidade urbana. Conclui-se que o fortalecimento da economia circular depende do reconhecimento e da valorização do serviço ambiental prestado pelos catadores, da inovação no design de produtos, do investimento em infraestrutura adequada e da construção de instrumentos regulatórios e econômicos orientados à inclusão, à redistribuição de poder na cadeia da reciclagem e ao combate às externalizações sociais e ambientais. A transição ecológica, portanto, vai além da modernização tecnológica do mercado de resíduos: trata-se de um processo político e social que desafia a lógica de mercado e somente se tornará efetivo quando o trabalho invisível na base da cadeia for reconhecido e justamente remunerado.
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