DEGREDO COMO DESTINO: ESTIGMAS E AMBIGUIDADES DA INQUISIÇÃO NA TRAVESSIA ATLÂNTICA
DOI:
https://doi.org/10.56238/edimpacto2024.002-126Palavras-chave:
Degredo, Estigma, Ambiguidade, InquisiçãoResumo
A pena de degredo, sistematicamente aplicada pela Monarquia portuguesa e normatizada pelo Santo Ofício, operava em duas frentes: como mecanismo de exclusão jurídica e espiritual dos indesejáveis e, como estratégia política de ocupação e povoamento dos territórios coloniais. O envio de condenados ao Brasil implicava não apenas a travessia de um oceano físico, mas a entrada em um espaço simbólico de expiação, marginalidade e eventual reintegração. O degredo era, por excelência, uma pena ambígua: punição e utilidade, humilhação e esperança, isolamento e reaproveitamento. Transformava o réu em sujeito liminar: entre o criminoso e o colono, o herege e o penitente, incorporando-o de forma funcional às margens do Império. A longa viagem e a precariedade da travessia acentuavam a experiência do exílio e da purgação, mas também abriam a possibilidade de remissão. O Santo Ofício, ao mitigar penas e interceder por comutações, encenava uma dupla justiça: disciplina e espiritual, repressiva e restauradora. Assim, o degredo revela-se como tecnologia de poder que articulava coerção e clemência, funcionando tanto como castigo corporal quanto como pedagogia espiritual, em consonância com o ideal inquisitorial de corrigir e salvar.