MORTIFICAÇÃO SILENCIOSA: MEDICALIZAÇÃO E MANEJOS DA SAÚDE MENTAL NA SOCIOEDUCAÇÃO
DOI:
https://doi.org/10.56238/arev7n9-124Palavras-chave:
Saúde Mental, Medicalização, Sistema SocioeducativoResumo
O presente artigo teve como objetivo investigar as informações institucionais acerca dos diagnósticos psiquiátricos, da medicalização e dos cuidados em saúde mental de jovens privados de liberdade em uma instituição socioeducativa do Distrito Federal. Apesar das legislações voltadas para as infâncias e adolescências serem modernas e construídas por intermédio das lutas sociais, notou-se que a socioeducação é ainda permeada pelo menorismo estrutural, o controle dos corpos e a colonialidade. Metodologicamente, tratou-se de uma pesquisa exploratória que se estruturou a partir de dados quantitativos levantados em documentos da instituição pesquisada, que são compreendidos como artefatos etnográficos, a saber, foram analisados os registros físicos da Gerência de Saúde e os documentos psicossociais do setor técnico, os Planos Individuais de Atendimentos (PIAs) e relatórios semestrais avaliativos do cumprimento da medida socioeducativa de internação referentes a 69 jovens institucionalizados. Acerca dos resultados, observou-se uma hipermedicalização, com 88,4% dos jovens em uso de medicação psicotrópica em algum momento da medida socioeducativa de internação, em detrimento de 26,1% com algum diagnóstico psiquiátrico. Percebeu-se uma anestesia dos afetos e sofrimentos dos jovens, seja pela via da drogadição no contexto extramuros ou da medicalização no sistema socioeducativo, bem como, notou-se o silêncio como qualificador de bom comportamento e reforçado institucionalmente como marca de ressocialização. Concluiu-se que há uma falta de cuidados voltados para a saúde mental de jovens em cumprimento de medida socioeducativa de internação, com a medicalização usada como recurso prioritário e o esvaziamento de ações preventivas, reparadoras e institucionais.
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