O AVESSO DAS COMUNIDADES TERAPÊUTICAS – O IMPACTO DA EXPANSÃO DAS CTS SOBRE ADOLESCENTES: RISCOS DE MORTE, VIOLAÇÕES DE DIREITOS E A REATUALIZAÇÃO DE PRÁTICAS MANICOMIAIS SOB O DISFARCE DA “CURA”

Autores

  • Monica Soares Autor
  • Ana Cláudia Afonso Valladares-Torres Autor
  • Nikolas Corrent Autor
  • Walesson Gomes da Silva Autor
  • Maria de Lourdes Rocha Lima Nunes Autor
  • Júlia Fernanda Mariotto Casini Autor
  • Marlon Nunes Silva Autor
  • Maria Vânia Abreu Pontes Autor
  • Amanda Barbosa da Silva Autor
  • Raimara Gonçalves Pereira Autor
  • Fabiano dos Santos Almeida Autor
  • Eduardo Soares Sousa de Albuquerque Autor
  • Alan Santana Santos Autor
  • Márcio Luís da Silva Autor
  • Regildo José Costa Autor

DOI:

https://doi.org/10.56238/arev7n11-349

Palavras-chave:

Comunidades Terapêuticas, Adolescentes, Violações de Direitos, Práticas Manicomiais

Resumo

A expansão recente das comunidades terapêuticas (CTs) no Brasil tem sido acompanhada por sucessivas denúncias de violações sistemáticas de direitos humanos, especialmente quando crianças e adolescentes são submetidos a práticas de isolamento, coerção e violência sob o discurso da “cura”. Relatórios oficiais – como o produzido pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) junto ao grupo Psicologia e Ladinidades da Universidade de Brasília (UnB) – evidenciam que 100% das CTs fiscalizadas apresentaram violações graves, incluindo privação de liberdade, agressões físicas, ameaças com armas, laborterapia usada como trabalho forçado, violência religiosa e aplicação de medicação controlada sem critérios técnicos. Diante desse quadro, o artigo analisa o impacto da expansão das comunidades terapêuticas sobre adolescentes, compreendidos como grupo cuja vulnerabilidade é agravada pela privação ilegal de liberdade, pela ruptura dos vínculos familiares, pela imposição de práticas de punição e disciplina de caráter religioso e pela reatualização de lógicas manicomiais incompatíveis com os princípios da Reforma Psiquiátrica, da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA/90). Assim, o objeto da pesquisa consiste em examinar como a rede de CTs opera como dispositivo de gestão da pobreza, da juventude e do uso de drogas, produzindo riscos concretos de morte, violências institucionais e violações de direitos, ao mesmo tempo em que se legitima por narrativas moralistas de ressocialização. A partir desse enquadramento, a pergunta de partida que orienta a investigação é: de que modo a expansão das comunidades terapêuticas, aliada ao financiamento estatal e às lacunas regulatórias, tem produzido um contexto de violação de direitos, sofrimento institucional e reatualização de práticas manicomiais no acolhimento de adolescentes, e quais são suas consequências para a proteção integral prevista no ordenamento jurídico brasileiro? Teoricamente, foram utilizados os trabalhos de Agamben (1995; 2007; 2014), Basaglia (1968; 1980; 1987; 2000; 2005; 2008; 2011; 2012; 2014; 2015; 2016; 2018), Becker (1998), Bourgois (2002), Butler (2004; 2009), Castel (1985), Cooper (1972; 1974), Foucault (2000; 2001; 2002; 2008; 2009; 2010; 2014), Goffman (1961; 1982; 1986; 2009; 2017), Hirdes (2008), Karam (1991), Szasz (1961; 1971; 1974; 1994; 2010), Silveira (1981; 1995; 2001), Velho (1985; 1998), Codato (2014), Relatório MNPCT (2025), entre outros. A pesquisa é de caráter qualitativo (Minayo, 2008), bibliográfico de descritivo (Gil, 2008) e com o viés analítico compreensivo (Weber, 1964). Os achados evidenciaram que as comunidades terapêuticas, longe de representarem espaços de cuidado, funcionam como ambientes de disciplinamento juvenil, nos quais a privação de liberdade, a violência institucional e a negligência estruturada configuram riscos permanentes à vida e à dignidade dos adolescentes. Mostrou-se que a combinação entre expansão acelerada, financiamento estatal pouco regulado e fiscalização frágil produz um cenário no qual práticas manicomiais são reatualizadas sob o discurso da “cura”, aprofundando traumas, rompendo vínculos e violando princípios jurídicos fundamentais. Demonstrou-se, também, que tais instituições reforçam mecanismos de governança da pobreza, moralizam o sofrimento psíquico e consolidam formas contemporâneas de exclusão incompatíveis com a proteção integral prevista no ECA, na RAPS e na Reforma Psiquiátrica. Em síntese, a pesquisa revela que a continuidade desse modelo aprofunda desigualdades e legitima violências que, ao invés de promoverem cuidado, produzem danos duradouros e silenciam sujeitos em desenvolvimento.

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Publicado

2025-11-27

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SOARES, Monica et al. O AVESSO DAS COMUNIDADES TERAPÊUTICAS – O IMPACTO DA EXPANSÃO DAS CTS SOBRE ADOLESCENTES: RISCOS DE MORTE, VIOLAÇÕES DE DIREITOS E A REATUALIZAÇÃO DE PRÁTICAS MANICOMIAIS SOB O DISFARCE DA “CURA”. ARACÊ , [S. l.], v. 7, n. 11, p. e10469 , 2025. DOI: 10.56238/arev7n11-349. Disponível em: https://periodicos.newsciencepubl.com/arace/article/view/10469. Acesso em: 5 dez. 2025.