HEPATITES VIRAIS NO BRASIL – PADRÕES INVISÍVEIS E SILÊNCIOS DA VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA: TENDÊNCIAS RECENTES, ASSIMETRIAS GEODEMOGRÁFICAS E SUBREGISTRO EM TEMPOS DE CRISE SANITÁRIA
DOI:
https://doi.org/10.56238/arev7n10-232Palavras-chave:
Hepatites Virais, Epidemiologia, Vigilância em Saúde, SubnotificaçãoResumo
As hepatites virais configuram um grave problema de saúde pública no Brasil, marcado por padrões epidemiológicos heterogêneos e muitas vezes invisíveis à vigilância oficial. Embora os dados do Sistema Único de Saúde (SINAN e SIM) revelem mais de 800 mil casos confirmados entre 2000 e 2024, a distribuição entre os vírus A, B, C, D e E apresenta expressivas assimetrias regionais e demográficas. O Nordeste concentra maior proporção de hepatite A, o Sudeste lidera em B e C, e a região Norte responde por mais de 70% dos casos de hepatite D, compondo um quadro de contrastes territoriais que evidencia desigualdades no acesso à prevenção, diagnóstico e tratamento. Nos últimos anos, chamam atenção fenômenos emergentes: o deslocamento da hepatite A para faixas etárias mais altas, com aumento de óbitos entre idosos, o crescimento súbito de sua incidência em 2024 (54,5% no país), a subnotificação generalizada durante a pandemia de COVID-19, além das altas proporções de registros incompletos, como a ausência da via provável de transmissão em cerca de 60% dos casos de hepatite C. Apesar da relevância epidemiológica, persistem lacunas na análise integrada dos cinco tipos de hepatites virais no Brasil, especialmente quanto ao impacto das condições socioeconômicas, ao papel do saneamento básico na hepatite A, ao sub-registro das formas raras (D e E) e à descontinuidade de notificações em períodos de crise sanitária. Assim, este estudo tem como objeto a análise conjunta das hepatites virais A, B, C, D e E no Brasil, utilizando bases secundárias do SUS para examinar tendências temporais recentes, desigualdades geodemográficas e fragilidades da vigilância epidemiológica. A pergunta de partida que orienta a investigação é: de que modo padrões invisíveis, lacunas de registro e efeitos da pandemia de COVID-19 têm impactado a compreensão atual da epidemiologia das hepatites virais no Brasil? Teoricamente, utilizamos os trabalhos de Focaccia (2015; 2021), Veronesi (2015), Ferreira e Silveira (2004), OMS (2016; 2024), Ministério da Saúde (2005; 2008; 2016; 2017; 2018; 2024; 2025), Rêgo et al. (2018), Berkman e Kawachi (2000), Lee et al. (2010), McLachlan (1991), Sofia (2019a; 2019b), Marmot (2013), Colvin e Mitchell (2010), Waldman (1998), Cromley e McLafferty (2011), Elliott et al. (2001), Handa e Yamaguchi (2006), Thomas et al. (2013), Zuckerman et al. (1999; 2009), Wang (2023), Ozaras et al. (2018; 2019a; 2019b), Bastos (2024), Veras et al. (1998) entre outros. A pesquisa é de cunho qualitativa (Minayo, 2007), bibliográfica e descritiva (Gil, 2008), com o viés analítico compreensivo (Weber, 1949). Os achados da pesquisa revelam que a epidemiologia das hepatites virais no Brasil permanece marcada por desigualdades estruturais, invisibilidades institucionais e descontinuidades históricas na vigilância epidemiológica. Constatou-se que a fragmentação dos dados e a subnotificação, acentuadas durante a pandemia de COVID-19, distorcem a real magnitude da doença, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste. Além disso, a pesquisa identificou que a distribuição territorial dos vírus reflete determinantes sociais como pobreza, saneamento precário e acesso desigual aos serviços de saúde. Assim, observou-se que o fortalecimento do SUS, aliado a uma vigilância intersetorial e territorializada, é condição essencial para superar os silêncios epidemiológicos e garantir respostas efetivas de prevenção e controle.
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