VULNERABILIDADES RECONHECIDAS – CASAIS HOMOAFETIVOS, GÊNERO NÃO-CISNORMATIVO E A NOVA HERMENÊUTICA DA “VULNERABILIDADE” NA LEI MARIA DA PENHA
DOI:
https://doi.org/10.56238/arev7n8-094Palavras-chave:
Identidade de Gênero, STF, Vulnerabilidade, Proteção JurídicaResumo
A pesquisa analisa o julgamento do Mandado de Injunção 7452 pelo Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a omissão legislativa do Congresso em proteger vítimas LGBTQIA+, especialmente homens gays, bissexuais, travestis e mulheres trans, determinando a extensão das medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha a esses grupos. A Lei 11.340/2006 foi originalmente editada para proteger mulheres cisgênero diante da subordinação cultural histórica, mas a ABRAFH e a Aliança Nacional LGBTI+ ajuizaram o MI 7452 reivindicando acesso a mecanismos formais de proteção, apoio e prevenção. O objeto do estudo são os fundamentos hermenêuticos da decisão do STF, centrados no voto do ministro Alexandre de Moraes, que invocou a proibição de proteção deficiente, derivada do princípio da proporcionalidade, e a responsabilidade estatal garantida pelo artigo 226, § 8º da Constituição Federal, para justificar a aplicação da lei em relações homoafetivas do sexo masculino e em casos que envolvem travestis e transexuais. Os objetivos da pesquisa incluem mapear os argumentos do relator, investigar como a hermenêutica constitucional ampliou o conceito de vulnerabilidade para incluir gênero e identidade como critérios de subalternidade e examinar os limites dessa extensão, que permanece estritamente extrapenal, pois o descumprimento das medidas protetivas por essas vítimas não configura crime sob o artigo 24 A da LMP. A pergunta de partida é: como a nova hermenêutica da “vulnerabilidade” adotada pelo STF no MI 7452 aborda a violência doméstica em relações homoafetivas e de gênero não cisnormativo e quais os alcances e restrições dessa inclusão interpretativa no sentido de ampliar a eficácia da Lei Maria da Penha? Teoricamente, fizemos uso dos trabalhos de Barroso (2008), Bento (2008; 2015; 2017), Butler (1993; 1999; 2004; 2009; 2015), Cantú (2009), Corrêa (2008; 2011), Crenshaw (1995; 2019), Dias (2006; 2016; 2019), Foucault (1975; 1977; 1978; 1993; 2003; 2010), Fraser (2003; 2013), Halberstam (1998; 2011), Haritaworn (2014), Honneth (2003), Moran (2003), Parker (2008; 2011), Petchesky (2008), Piovesan (2012; 2019), Rich (1980), Rios (2006), Skeggs (2003), Spade (2015; 2020), entre outros. A pesquisa é de cunho qualitativa (Minayo, 2007), bibliográfica e descritiva (Gil, 2008), com viés analítico compreensivo (Weber, 1949). A análise demonstrou que a ampliação interpretativa da Lei Maria da Penha pelo STF incorporou a noção de vulnerabilidade de forma interseccional, reconhecendo identidades de gênero não cisnormativas e orientações homoafetivas como marcadores legítimos de subalternidade. A decisão avança ao garantir medidas protetivas cíveis a esses grupos, mas encontra limites relevantes, sobretudo pela ausência de respaldo penal para o descumprimento das medidas. A hermenêutica adotada revelou-se inovadora, embora enfrente desafios de efetividade e consolidação normativa. A pesquisa evidenciou tensões entre avanço simbólico e lacunas jurídicas estruturais. Em síntese, trata-se de uma inclusão parcial e desigual no sistema de proteção.
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