GENOCÍDIO SOB A ÓTICA DO GÊNERO: CONTRIBUIÇÕES DA JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL
DOI:
https://doi.org/10.56238/levv16n51-062Palavras-chave:
Gênero, Genocídio, Crimes Internacionais, Crimes Contra a Humanidade, Violência SexualResumo
O presente estudo tem como objetivo analisar a dimensão de gênero nos crimes internacionais de genocídio, com ênfase na forma como a violência sexual tem sido utilizada como instrumento de opressão, dominação e extermínio sistemático de grupos étnicos, raciais ou religiosos. Inicialmente, a pesquisa apresenta uma breve revisão sobre os marcos fundacionais da justiça penal internacional, contextualizando a formulação do conceito jurídico de genocídio no pós-Segunda Guerra Mundial. Em seguida, investiga-se a aplicação prática dessa tipificação a partir dos padrões de violência de gênero observados no Holocausto, no genocídio de Ruanda e Iugoslávia, onde mulheres foram alvos preferenciais de tortura, estupros sistemáticos, esterilização forçada e assassinatos, com o objetivo de impedir nascimentos e desintegrar as bases sociais e culturais dos grupos perseguidos. A análise é aprofundada com o exame da jurisprudência do Tribunal Penal Internacional para a Ex-Iugoslávia (TPII), que contribuiu de forma decisiva para o reconhecimento da violência sexual como método eficaz de destruição parcial de um grupo, nos moldes previstos pela Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio (1948). Casos como Karadžić, Krstić e Tolimir evidenciam que os crimes sexuais não foram incidentes isolados, mas parte de uma política articulada de limpeza étnica com intenção genocida. Assim, o estudo demonstra que o gênero, longe de ser um fator colateral, constitui um eixo estrutural no cometimento de crimes internacionais, sendo explorado como mecanismo de dominação política, cultural e biológica. A conclusão reforça a necessidade de manter viva a memória desses eventos históricos como forma de fortalecimento dos direitos humanos e de prevenção contra a repetição de crimes semelhantes. A compreensão da violência de gênero no genocídio, especialmente sua normatização e julgamento na justiça internacional, é essencial para garantir justiça às vítimas e para promover uma abordagem mais sensível e inclusiva na proteção de populações vulneráveis em contextos de conflito.
Downloads
Referências
ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS DIREITOS HUMANOS (ACNUDH). Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. [S.l.]: ACNUDH, 2012. Disponível em: https://acnudh.org/pt-br/estatuto-de-roma-del-tribunal-penal-internacional/. Acesso: 16 fev. 2024.
ARENDT, Hannah. Eichmann in Jerusalem: A Report on the Banality of Evyl. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
ASKIN, Kelly Dawn. War Crimes Against Women: Prosecution in International War Crimes Tribunals. The Hague: Martinus Nijhoff, 1997.
BARSOUMIAN, Amanda Pilon. Com a palavra, a estudante - Legados de Ruanda: a violência sexual contra a mulher como arma do genocídio. IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, São Paulo, may 2016. Disponível em: https://www.ibccrim.org.br/noticias/exibir/6476/. Acesso: 20 fev. 2024.
BRASIL. Decreto n° 4.388, de 25 de setembro de 2002. Promulga o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4388.htm. Acesso em: 06 fev. 2024.
BRUML, Hana Mueller. Hana Mueller Bruml descreve os procedimentos na chegada a Auschwitz. 1990. Entrevista. Enciclopédia do Holocausto. Disponível em: https://encyclopedia.ushmm.org/content/pt-br/oral-history/hana-mueller-bruml-describes-arrival-procedures-at-auschwitz. Acesso em: 10 fev. 2024.
CAMBI, Eduardo; NICOLAU, Camila Christiane Rocha. Direitos das Minorias e a efetividade do princípio da igualdade na Constituição Federal de 1988. Revista Direitos Humanos Fundamentais, Osasco, n. 1, p. 63-79, jan./jun. 2018. Disponível em: https://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/Rev-Dir-Hum-Fund_v.18_n.01.pdf. Acesso: 16 fev. 2024.
FONSECA, Danilo Ferreira. Local authority and the Rwandan genocide of 1994: The case of the Bourgmestre Jean-Paul Akayesu. História & Perspectivas, Uberlândia, v. 59, p. 155-167, jul./dez. 2018a. Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/historiaperspectivas/article/view/49371/26315. Acesso: 20 fev. 2024.
FONSECA, Danilo Ferreira da. Publicando o ódio: a Revista Kangura e a Guerra Civil Ruandesa. Cadernos de África Contemporânea, CIDADE, v.1, n. 2, p. 8-20, maio 2018b. Disponível em: https://www.revistas.uneb.br/index.php/cac/article/download/14268/9719/41525. Acesso em: 10 fev. 2024.
ICTY. Prosecutor v. Radislav Krstić, Case No. IT-98-33-T, Trial Judgment, 2 August 2001, §§ 595–620. Disponível em https://www.icty.org/x/cases/krstic/tjug/en/krs-tj010802e.pdf. Acesso em 10/04/2025.
ICTY. Prosecutor v. Radovan Karadžić, Case No. IT-95-5/18-T, Trial Judgment, 24 March 2016, §§ 3396–3402. Disponível em https://www.icty.org/x/cases/karadzic/tjug/en/160324_judgement.pdf. Acesso em 10/04/2025.
ICTY. Prosecutor v. Zdravko Tolimir, Case No. IT-05-88/2-T, Trial Judgment, 12 December 2012, §§ 1180–1190. Disponível em https://www.icty.org/x/cases/tolimir/tjug/en/121212.pdf. Acesso em 10/04/2025.
KUBAI, Anne N. Between justice and reconciliation: The Survivors of Rwanda. African Security Review, London, v. 16, p. 53-66, 2007. Disponível em: https://issafrica.s3.amazonaws.com/site/uploads/ASR16_1KUBAI.PDF. Acesso: 16 fev. 2024.
LAFER, Celso. Hague Peace Conferences (1899 e 1907). São Paulo: CPDOC/FGV, 2019. Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/CONFER%C3%8ANCIAS%20DA%20PAZ%20DE%20HAIA.pdf. Acesso: 06 fev. 2024.
LIMA, Lucas Carlos; DAL RI JÚNIOR, Arno. A criação da corte permanente de arbitragem nas convenções da paz de Haia e sua posição na história da justiça internacional. In: DAL RI JÚNIOR, Arno (org). A jurisprudência da Corte Internacional de Justiça: História e influência no Direito Internacional. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2020. E-book (não paginado). Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/196967/epub/0?code=d/oTHjWd+/jzSjUant9o/HupCazkXiBXDiNq6PMCUdOdJ1YkWcdCZzcmtQeCOifFXdR8qxZIjXWp/+Pgxx/wOQ==. Acesso: 08 fev. 2024.
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Privado. 2. ed. São Paulo: Forense, 2017.
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O Tribunal Penal Internacional: integração ao direito brasileiro e sua importância para a justiça penal internacional. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 41, n. 164, p. 157-178, out./dez. 2004. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/1013/R164-10.pdf?sequence=4&isAllowed=y. Acesso: 14 fev. 2024.
MIZRAHY, Ethel. Ludwik Fleck: Researcher and Prisoner. Arquivo Maaravi: Revista Digital de Estudos Judaicos da UFMG, Belo Horizonte, v. 6, n. 10, mar. 2012. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/maaravi/article/download/14122/11303/38570. Acesso: 16 fev. 2024.
MOTTA, Jefferson Holliver. Um reflexão acerca dos desafios atuais da Corte Internacional de Justiça. In: PAGLIARINI, Alexandre Coutinho; FERREIRA, Daniel; PORCIUNCULA, Marcelo (org). Jurisdição (inter)nacional e direitos fundamentais [livro eletrônico]. Curitiba: InterSaberes; Madrid: Marcial Pons, 2019. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/178172/pdf/0?code=h1eLDXMXj9+hZRMWr5JcHqlVuanfIPDfo+m7wVgX0Mw8yHi7s4KCaVYQHv8T07Tuqx3BrrgnwmBl0Xe2MH9ydg==. Acesso: 08 fev. 2024.
MUKASONGA, Scholastique. A mulher de pés descalços. São Paulo: Nós, 2017.
NIARCHOS, Catherine. Women, War, and Rape: Challenges Facing the International Tribunal for the Former Yugoslavia. Human Rights Quarterly, vol. 17, no. 4, 1995, p. 649–690. Disponível em https://giwps.georgetown.edu/resource/women-war-and-rape-challenges-facing-the-international-tribunal-for-the-former-yugoslavia/. Acesso em 10/04/2025.
NYISZLI, Miklos. Auschwitz – o testemunho de um médico. Rio de Janeiro: Distribuidora Record, 1960.
ONUSIDA. Refugiados e o SIDA: Ponto de vista da ONUSIDA. Abril, 1997. Disponível em: https://data.unaids.org/publications/irc-pub04/refug-pov_pt.pdf. Acesso em: 10 fev. 2024.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Carta das Nações Unidas e Estatuto da Corte Internacional de Justiça. São Francisco, 1945. Disponível em: https://www.oas.org/dil/port/1945%20Carta%20das%20Na%C3%A7%C3%B5es%20Unidas.pdf. Acesso: 09 fev. 2024.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. O que é a Corte Internacional de Justiça e por que é importante? ONU News, 11 jan. 2024. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2024/01/1826092. Acesso: 08 fev. 2024.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução 827 do Conselho de Segurança, de 25 de maio de 1993. Disponível em https://digitallibrary.un.org/record/166567?ln=en. Acesso em 10/04/2025.
REPUBLIC OF RWANDA. The role of women in reconciliation and peace building in Rwanda: ten years after genocide. Kigali: The National Unity and Reconciliation Commission, 2005. Disponível em: https://repositories.lib.utexas.edu/server/api/core/bitstreams/9ca5e871-27fc-4456-b7c5-5c213ecf5dba/content. Acesso: 16 fev. 2024.
SAIDEL, Rochelle, G. As Judias do Campo de Concentração de Ravensbrück. Tradução Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009.
SANTOS, Marco Aurélio Moura dos. Genocídio no Direito Internacional: procedimentos retóricos. São Paulo: Dialética, 2023.
SERPA, Paola Flores; FÉLIX, Ynes da Silva. Refugee women in Brazilian reality: the situation of refuge in respect of the gender and the construction of a legal architect to protect their rights. Revista Direitos Humanos Fundamentais, Osasco, n. 1, p. 49-61, jan./jun. 2018. Disponível em: https://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/Rev-Dir-Hum-Fund_v.18_n.01.pdf. Acesso: 16 fev. 2024.
TAYLOR, Christopher C. A Gendered Genocide: Tutsi Women and Hutu Extremists in the 1994 Rwanda Genocide. PoLAR Political and Legal Anthropology Review, v. 22, n. 1, maio 1999. Disponível em: https://anthrosource.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1525/pol.1999.22.1.42. Acesso: 17 fev. 2024.