ENTRE SANÇÕES E SOBERANIA – A RESISTÊNCIA DO DIREITO BRASILEIRO À LEI MAGNITSKY NA PERSPECTIVA DECOLONIAL
DOI:
https://doi.org/10.56238/ERR01v10n5-030Palavras-chave:
Lei Magnitsky, Soberania Jurídica, Decolonialidade, Sanções Internacionais, Direito BrasileiroResumo
O avanço de legislações internacionais de caráter sancionatório, como a chamada “Lei Magnitsky”, tem tensionado os fundamentos do direito brasileiro, sobretudo no que se refere à soberania, ao princípio da não intervenção e à tradição de resistência a mecanismos jurídicos que emanam de uma lógica hegemônica. Enquanto a Lei Magnitsky busca projetar o alcance punitivo do direito estadunidense para além de suas fronteiras, o Brasil sustenta historicamente um posicionamento que privilegia a autodeterminação dos povos e a centralidade de uma ordem jurídica internacional pautada na igualdade entre Estados. Nesse embate, emergem questões decoloniais que problematizam a forma como sanções globais podem se tornar dispositivos de reprodução do colonialismo jurídico, invisibilizando trajetórias locais de resistência normativa. O objeto deste artigo consiste em analisar as tensões entre as sanções internacionais da Lei Magnitsky e a resistência do direito brasileiro, compreendendo como a perspectiva decolonial permite desvelar a disputa entre a imposição hegemônica e a afirmação da soberania jurídica nacional. A pergunta de partida que orienta a investigação é: de que maneira a resistência do direito brasileiro à aplicação da Lei Magnitsky pode ser interpretada como expressão de uma prática jurídica decolonial, que busca afirmar a soberania frente à colonialidade das sanções internacionais? Teoricamente, foram utilizados os trabalhos de Moniz Bandeira (2017), Mutua (2002), Koskenniemi (2006; 2010), Chomsky (2004), Bonavides (2011), Pahuja (2011), Mazzuoli (2011), Mignolo (2012a; 2012b), Harvey (1991; 2008), Dussel (1982; 1993; 2001; 2006; 2013), Bolzan de Morais (2016), Kelsen (2006), Lemaitre Ripoll (2009), Anghie (2005), Quijano (2000; 2020), Sousa Santos (2002; 2014), Walsh (2013; 2019), Lafer (1988), Amorim (2020), bem como os marcos normativos como a Lei Global Magnitsky de Responsabilização por Violações de Direitos Humanos (2016), Carta das Nações Unidas (1945), Constituição Federal do Brasil (1988), entre outros. A pesquisa é de caráter qualitativa (Minayo, 2008), bibliográfica e descritiva (Gil, 2007) e com o viés compreensivo a partir de Weber (1949). Os achados da pesquisa revelam que a resistência do direito brasileiro à aplicação da Lei Magnitsky não se limita à defesa diplomática da soberania, mas constitui um gesto político-jurídico de caráter decolonial. Observou-se que o Brasil reafirma sua autonomia normativa ao rejeitar sanções unilaterais, posicionando-se contra a colonialidade do poder jurídico global e em favor de uma ordem internacional plural e cooperativa. A análise também demonstrou que essa postura dialoga com a tradição diplomática brasileira e com a perspectiva teórica do Sul Global, que propõe a desobediência epistêmica como fundamento da emancipação jurídica. Assim, conclui-se que o caso brasileiro expressa uma prática de resistência que transcende o campo jurídico e projeta uma nova racionalidade internacional baseada na igualdade entre os Estados.
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